Seu nome era Pedro Favoretto. Seu pai era um conceituado político, sua mãe uma professora universitária com uma formação invejável. Ele era um rapaz inteligente, rico e até que bonito. Era feliz. Tinha uma bela namorada de dezesseis anos de idade, dois a menos que ele, um carro esporte e uma casa em seu nome. Era um ótimo jogador de futebol, vestia a camisa dez em todos os times que já participara. Mas tudo isso mudou justamente no dia que deveria ser um dos mais felizes de sua vida. Cinco minutos depois de ver seu nome no listão de aprovados no curso de medicina na UF**, fora atropelado por um Chevette preto conduzido por uma mulher bêbada. Ele entrou em coma.
A mulher do Chevette não foi presa, morreu alguns minutos depois. A polícia brilhantemente concluiu que ela estava deprimida com as mortes do seu filho e marido que faleceram em um acidente de carro dois meses antes e decidiu se entupir de drogas e uísque, e sair com o carro pra morrer do mesmo jeito. Pena que ela levou a juventude de um rapaz inocente antes de atirar seu carro de uma ponte.
Nos dezoitos anos em que ele passou de olhos fechados muitas coisas aconteceram. Inicialmente seus pais ficaram abalados, mas o seu pai se utilizou do drama familiar para alavancar sua carreira política. Sua mãe não concordava de forma alguma com o que o velho fazia e dia após dia foi tomada pela tristeza. Mas ele continuou com sua jornada e passo a passo chegou a chefe da casa civil. Eles só continuaram casados para afirmar a imagem de pai de família sofredor que o coroa construiu. Mas algo chamou a atenção da justiça: o enriquecimento absurdo do velho. Depois de certo tempo, câmeras e escutas descobriram um esquema de damas de companhia e venda de drogas chefiadas pelo político. E no mesmo dia em que o velho teve que renunciar o cargo, a mãe de Pedro foi encontrada morta em casa vítima de uma overdose de antidepressivos, calmantes e analgésicos. Mas o velho não demorou a falecer, foi encontrado com cinco tiros na cabeça três dias depois. A polícia informou que a mãe realmente suicidou-se e que o seu irmão, o único tio de Pedro, era o principal suspeito no assassinato do ex-chefe da casa civil. Mas nada foi comprovado.
Neste instante, pela primeira vez, percebeu que estava completamente só no mundo hostil.
Pedro alugou um quarto, comprou roupas e tentou arranjar um trabalho, mas ninguém queria contratar um inimigo público sem nenhum tipo de experiência. E quando o empregador não o conhecia, era complicado explicar o que havia feito nos últimos dezoito anos. Depois de alguns dias o seu tio arrumou-lhe uma vaga de pintor de carros. Durante duas semanas Pedro trabalhou, tentou levar uma vida, mas falhou. As pessoas fugiam dele, o mundo era outro, se sentia um alienígena sem nave que o pudesse lhe levar de volta pra casa. A sua tristeza e o seu ódio foram diminuindo, quase que por completo, deixando em seu lugar algo muito pior: um vazio indescritível. Pedro tentou preencher esse vazio com o que pode encontrar: bebidas, drogas e carinho de garotas da vida. Mas ele era inteligente e não demorou a perceber que se tornara um viciado que pagava pela companhia de prostitutas.
Quando o seu curto dinheiro estava chegando ao fim, Pedro pegou uma foto de seus pais, ajoelhou-se no centro do cubículo que morava e pela primeira vez em sua vida rezou. Colocou sua melhor roupa, ligou para o seu fornecedor de drogas e pediu-lhe algo. Recebeu este algo embrulhado no jornal, pagou e dirigiu-se para o estacionamento que ficava atrás da sua “casa”, onde Pedro quebrou a janela de um carro velho e fez algo que havia aprendido na oficina, a tão famosa ligação direta. Calmamente Pedro dirigiu por todos os lugares que marcaram sua vida: a escola onde estudara, a pracinha na qual deu o seu primeiro beijo, o apartamento onde seu pais moravam, o estádio de futebol do seu time de coração e, por fim, o Shopping Center onde costumava passar suas tardes quando adolescente – o que em sua cabeça, havia sido apenas a alguns meses atrás.
Pedro estacionou o carro, enrolou o pacote em uma camisa que estava no banco de trás, deu “boa tarde” ao segurança e calmamente caminhou shopping adentro. Ficou parado no meio daquela multidão na esperança de não se sentir só, mas depois de uns segundos entendeu que nem a maior multidão do mundo poderia diminuir a sua solidão. Nem mesmo os encontrões que recebia eram capazes de tocar-lhe. Ele estava só… E aquele não era seu lugar. Lembrou-se do rosto da mulher do Chevette, sentia a sua dor, percebeu que era a mesma que ele sentia e então a perdoou.
Sentou-se no primeiro banco que viu, jogou a camisa que enrolava o pacote no lixo e com a maior calma que já havia sentido em sua mísera vida desembrulhou aquele jornal velho trazendo a luz do dia um velho revolver 0.38. A multidão ao seu redor imediatamente fez silêncio. Ele conferiu o tambor do revolver, seis balas, e quando levantou o olhar viu todas aquelas pessoas sem reação. Ele riu, disparou a sua arma cinco vezes contra a multidão e uma contra a sua fonte.
Os jornais o chamaram de monstro, milhares de maldições lhe foram lançadas em seu próprio enterro. Apenas o seu tio chorou por sua morte. Ao investigar seu quartinho, a polícia encontrou drogas, garrafas vazias e uma carta destinada a sua ex-namorada. Falam que ela nunca mais foi a mesma pessoa depois de ler aquela carta. Meses depois do ocorrido, a polícia obrigou todos os shoppings da cidade à utilizarem um detector de metais em suas entradas.
Originalmente em DitoPeloMaldito
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